Prefácio

A criação deste blog deve-se, primeiro, ao Dictionnaire des idées reçues, de Gustave Flaubert, escrito como parte do incompleto Bouvard et Pécuchet, e, segundo, ao Dicionário das ideias feitas em educação, organizado por Sandra Mara Corazza (professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Julio Groppa Aquino (professor da Universidade de São Paulo), a partir da ideia lançada por Flaubert. Diferentemente dessas duas inspirações, este blog não tem a estrutura alfabética de um dicionário, e nem de perto a mesma sutileza; mas é guiado pela atualidade mundana do futebol. Ainda que as duas inspirações também partam da mundanidade, atingem verdades superiores. Já este blog busca, tão somente, apropriar-se das ideias já prontas para dar-lhes um novo sentido ou uma nova explicação.

As ideias feitas do futebol (entendidas como lugares-comuns, clichês e/ou chavões usados, sobretudo, pela crônica esportiva) constituem a matéria deste blog; matéria essa constituída por ideias que, apesar de terem sido inventadas, parece que se esqueceram disso, e, justamente por essa razão, apresentam-se como verdades fáceis, incapazes de provocarem o pensamento.

As ideias feitas não tangem a consistência deste blog; mas a matéria. Isso significa que elas se constituem nos pontos de partidas de cada seção (por isso, cada seção tem como título a própria ideia feita). E isso também significa que não se trata de negar as ideias vindas do senso comum (sobretudo, da crônica esportiva), mas de lidar com elas; fazê-las variar, já que, por hábito, os envolvidos preferem conservá-las.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

O jogador brasileiro não tem consciência tática!

Tal ideia feita aparece, geralmente, quando se está comparando o jogador europeu ao brasileiro.

O que me inquieta é o seguinte: se isso é verdade, e se é verdade que todos concordam com esse diagnóstico, por que nunca se faz nada para conscientizar o jogador brasileiro?

É que não se trata de algo a ser, simplesmente, modificado por meio de um ensinamento!

1) Curtição: no Brasil, aprende-se a gostar de futebol pela via do drible, da malandragem; no sentido de ver graça no enganar o adversário pelo gingado do corpo. A curtição está no rir do amigo (adversário) que cai no chão após um drible, que fica constrangido por "tomar uma bola" no meio das pernas. Isso significa que, enquanto não vira profissão, não há sentido e motivação para que jogadores façam algo diferente dessa lógica.

Por outro lado, na Europa, parece-me, aprende-se a gostar de futebol pela via da estratégia coletiva. A veracidade disso pode ser defendida a partir de, pelo menos, dois argumentos: a) o futebol foi inventado, na Europa, como exercício de estratégia de guerra; b) pelo o que se diz, rir de alguém, na Europa, por este ter sido "humilhado" ao ser driblado, é falta de respeito. Exatamente o contrário do que acontece no Brasil: o homem driblado, mesmo que seja o mais ranzinza dentre os homens, é como que socialmente obrigado, nesse tipo de situação, a rir de sua própria "desgraça" (ainda que esteja, no íntimo, bravo com o que lhe acontecera).

2) Educação: na Europa, em geral, o nível de educação (familiar e escolar) é superior ao brasileiro. Se o indivíduo tem maiores dificuldades em entender a lógica da matemática, das línguas, das artes etc., tem, ao mesmo tempo, maiores dificuldades em aprender a lógica da tática.

3) Foco no craque: nas categorias de base brasileiras, o foco dos responsáveis está na identificação de indícios de craques, e não na formação daquilo que um coletivo necessita para funcionar.

Há uma explicação histórica para isso: nos títulos da seleção brasileira, o que ficou marcado foi o craque (a descrição da vitória passa pelo destaque deste ou daquele jogador).

Por outro lado, nos títulos das seleções europeias, o que mais se destacou foi, justamente, a organização tática.

Essas três explicação mostram que não se trata do jogador brasileiro não ter consciência tática por problema na abordagem de técnicos (sejam eles profissionais ou de categorias de base). A questão não é pontual; pelo contrário, é constitutiva!

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Fulano usou a sua experiência!

Talvez eu esteja dizendo isso apenas porque o meu time não está como eu gostaria que estivesse neste Campeonato Brasileiro, mas o fato é que os jogos do Nacional (independentemente de envolverem, ou não, o meu time) têm se tornados irritantes. Ainda que isso, nem de perto, seja, por ora, suficiente para enfraquecer o meu interesse pelo futebol, já começa a causar certo desgaste. A causa disso é localizável, chama-se “cera”.

A cera é ainda pior do que a encenação visando a obtenção de uma falta, visto que enquanto naquela o árbitro tende a não fazer nada, nesta ele tem a possibilidade de não marcá-la ou de constrangê-la.

Considerando que os dois problemas existem e se aprofundam por culpa dos cinco personagens envolvidos no futebol (torcedor, patrocinador, mídia, jogador/técnico e árbitro), vejo apenas uma alternativa para cada problema:

- Em relação à cera, a única alternativa é fazer com que o tempo do jogo paralise toda a vez que o jogo pare (é o que ocorre no basquete, no handebol e no futsal).

Trata-se de “única alternativa” porque é a única que não depende do árbitro, o qual é um dos principais interessados em fazer com que o jogo fique parado; afinal, o árbitro mais elogiado acaba sendo sempre aquele que permanece discreto durante o jogo (jogo parado = menos chances de acontecer lances polêmicos).

Para que tal solução fosse efetivada, bastaria contar com o acordo do patrocinador e da mídia, os quais precisariam admitir a variação no tempo de duração do evento. Fora isso, funcionaria porque o jogador/técnico não fingiria situações para que o tempo passasse; e porque o árbitro deixaria de ser um complacente da cera.

O jogo poderia passar a se constituir de dois tempos de trinta minutos (sendo que após o tempo complementar, o jogo terminaria apenas após a primeira bola sair de campo – assim, não haveria a polêmica envolvendo o fato de uma bola ter entrado no gol antes, ou depois, do tempo regulamentar).

- Em relação à encenação visando a obtenção de uma falta, a única alternativa é o “universo do futebol” passar a ser contagiado pelo conceito de “jogo limpo” (de modo muito mais amplo do que aquele propagado pela FIFA).

Tal solução funcionaria se o torcedor passasse a vaiar as encenações (o torcedor que joga em casa quer sempre sair com a vantagem em relação à arbitragem, mas não se dá por conta de que o mesmo acontece, inversamente, quando o seu time joga fora de casa, fazendo que tudo fique na equivalência); e a mídia esportiva a não mais dizer que “o fulano usou a sua experiência” quando fingisse receber uma falta: teria que criticar, severamente, o autor da encenação (não apenas aquelas que acontecem dentro da área, mas toda e qualquer encenação).

O jogador/técnico e o árbitro são os menos influentes nesta alternativa; eles entrariam no embalo do torcedor e da mídia.

O que é inadmissível é ficar, enquanto torcedor, diante de lances que o árbitro tanto pode quanto pode não marcar, dependendo quase que exclusivamente do seu humor (muito mais do que da técnica, por exemplo). O resultado é que todos ficam com a impressão de que o seu time é sempre o maior prejudicado.

A FIFA, certamente, não buscará soluções para esses problemas. Como qualquer corporação, a FIFA também quer aumentar o seu público; e se o futebol tem o público que tem é, dentre outros motivos, pelo fato de o time pior ter sempre chances de vencer o melhor. E tais chances se devem, muito, à possibilidade de se fazer cera e encenação. Então, a efetivação das alternativas aqui apresentadas, é viável somente através de campanha popular.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

A proibição de bebidas alcoólicas nos estádios é positiva!

1) Quem elabora e coloca em prática essa “lei” faz isso apenas para dar um retorno à sociedade.

– Onde estão as autoridades diante de tanta barbaridade nos estádios brasileiros?  questiona a sociedade.
– Não estamos indiferentes, até já proibimos o consumo de álcool!  responde a autoridade.

Nada há de errado, claro, no fato de as autoridades darem um retorno à sociedade; pelo contrário, é isso que se espera delas. O problema está no fato de esse retorno ser, simplesmente, o mais fácil, o mais simples e também o mais superficial, tanto no sentido de investimento financeiro (não implica nenhum tipo de recurso), quanto no de procedimentos a serem tomados (trata-se de uma simples proibição que não envolve qualquer tipo de mudança de mentalidade). Não se trata de um processo, mas tão-somente de uma proibição.

2) Onde há humanos, pode acontecer atos de violência. É assim no jardim da infância, na escola, na universidade, na esquina, no bar, no show, na igreja. Por que no estádio de futebol seria diferente? Atenção, não se trata de uma apologia à violência, mas de uma tentativa de mostrar que a violência não está associada, especificamente, ao estádio de futebol, mas sim às relações humanas (ao menos ao modo como essas vêm se construindo historicamente – o que significa que podem ser modificadas).

3) Alguns justificam a proibição por essa se constituir numa forma de castigo àqueles que “não sabem se comportar”. Poderia combater esse argumento através de outro clichê: “o erro de alguns não pode prejudicar todos os outros”; mas há ainda um argumento de maior valor: ora, aquele que erra não vê a si mesmo como um maldoso. Apenas em novelas, em filmes e em desenhos mainstream é que o mal é aquele que ri de suas maldades; em que o mal é facilmente identificado. Na vida, não existem os bons e os maus, mas atitudes reprováveis e atitudes louváveis, de modo que um único sujeito experimenta, invariavelmente, as duas situações. Aquele que comete um erro se considera, quase sempre, inocente (refiro-me não à declaração feita à justiça, mas aquela feita a si mesmo), pois a sua atitude tem uma explicação clara em sua mente, ainda que não possa ser moralmente explicada à sociedade. Isso tudo somente para dizer que todos aqueles que deveriam sentir o efeito do castigo, não o sentem. Quem sente é apenas aquele que acaba preso, pois, independentemente de se auto-declarar inocente, sente o peso da prisão; entretanto, aquele que deveria aprender por analogia, não aprende, pois não se enxerga como um bêbado violento.

– Ah, só uma vez perdi a cabeça e parti pra cima de um cara!

4) O problema não está no álcool, mas naquele que o consome. Ora, então não parece evidente que a solução não passa pela proibição, mas pela mudança de mentalidade?

5) Acredito que instalar alambrados em estádios de futebol é ainda mais violento do que uma invasão de campo. É que a violência se dá não sobre um homem, mas sobre a capacidade humana de raciocinar. Por favor, não me tomem por moralista! As artes já mostraram que o essencial está naquilo que extrapola a razão, porém, também acabaram por mostrar que não há a possibilidade, dentro da esfera humana, de, simplesmente, abrir-se mão do pensamento racional. Nesse sentido, ainda que isso implique um processo e não uma solução “do dia para a noite”, posso somente acreditar em atitudes que visem uma situação que não apresente alambrados e que o homem, ainda assim, não invada o campo; uma situação que o homem não pratique atos de violência, ainda que consuma álcool. Em verdade, é evidente que, por vezes, irá praticar atos reconhecidos como violentos, afinal, o homem do iluminismo não passa de uma ilusão, de modo que, vez ou outra, a pulsão corporal burlará os planejamentos racionais. Cabe a cada um criar as condições para não se envolver em situações propícias à violência; além de ser hábil e prudente nas escolhas.

6) Voltando ao exemplo inicial do parágrafo anterior, não tenho nenhuma dúvida de que a proibição de álcool nos estádios é ainda mais violento do que um eventual soco na cara. A explicação é a mesma. E me refiro não apenas ao fato, em si, da proibição, mas mais ainda por envolver o álcool. Desde que tenho idade para isso, sempre tive o costume de beber cerveja no estádio de futebol (e de comer um cachorro-quente). O fato de não mais poder repeti-lo, violenta-me profundamente. “Pode parecer besteira”, mas não o é: a graça das coisas que a gente faz está nas sutilezas. O moralismo, a justiça e a política fácil colocaram o álcool do lado da morte, da coisa feia, da vergonha, e Dionísio está a não entender mais nada!

7) Mas se o fato de alguém ser impedido de realizar uma prática milenar (festejar com álcool) é ainda mais violento do que uma agressão física, por que, moralmente, esta segunda situação vira matéria de notícia enquanto aquela primeira não? Ou seja, por que não há uma série de matérias sobre as pessoas que se sentem violentadas por não poderem mais consumir cerveja e, por outro lado, há uma série de matérias sobre pessoas que sofrem agressões em estádios de futebol? Eis a resposta: o caso da agressão física é um caso socialmente legitimado de violência, de modo que o público a absorve de maneira instantânea, entendendo-a facilmente e, sobretudo, tornando o público apto a compartilhar da corrente de repúdio apresentada pela notícia. Por sua vez, o caso da proibição de um hábito envolve toda uma discussão de caráter histórico e, possivelmente, filosófico, excluindo grande parte do público da problemática e exigindo de jornalistas muito mais do que estão acostumados; exigindo, principalmente, que saem dos formatos jornalísticos (tanto no sentido de expressão quanto no de conteúdo). Além disso, por implicar o tema do álcool, nem mesmo a vítima (aquele que é impedido de realizar um hábito que é licito) se sente à vontade para reclamar, pois socialmente sabe que a sua denúncia "não soaria bem". Alguém poderia dizer:

– Era só o que me faltava: agora os bêbados são as vítimas!

Uma nova pergunta: mas o que tem a ver as decisões tomadas pelas autoridades com a questão da noticiabilidade? É que são as notícias que pressionam as autoridades. Nesse sentido, o que as pressionam são as agressões físicas, de modo que é em relação a essas que preferem tomar providências; e providências visíveis, simples e facilmente reconhecíveis, justamente para que agora elas é que virem notícias!

8) Tenho ouvido jornalistas, políticos e dirigentes falarem que a decisão da proibição vem se mostrando acertada. Ora, mas quem deveria ser questionado não seriam aqueles que frequentam as arquibancadas, mais conhecidos como torcedores? Não seriam eles as vítimas em potencial?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Fulano não é mais o mesmo!

Tenho a impressão de que a opinião pública (incluindo, claro, a da imprensa esportiva) cumpre um ciclo vicioso. Após elogios entusiásticos dirigidos, especificamente, ao futebol de um jogador, a tendência é a de argumentações céticas. Parece-me que a opinião pública deveria levar em consideração, de modo pressuposto, que um jogador não faria cerca de quarenta gols por ano em duas temporadas consecutivas, bastando observar que isso nunca acontece (ou raramente na história) no futebol brasileiro. Isso significa que toda essa problemática envolvendo o futebol do Damião não é justa com o jogador; seria se ele estivesse jogando mal*, o que, por ora, não é o caso!

* A problemática vem se baseando não no mau desempenho do jogador, mas na ideia feita de que ele "já não é mais o mesmo".

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

É injusto chamar técnicos e jogadores de mercenários, pois as suas profissões são como quaisquer outras!

Se técnicos e jogadores de futebol (consagrados) são tão bem remunerados, é justamente porque as suas atividades diferenciam-se, num aspecto em especial, das atividades desempenhadas pelas demais profissões.

São tão bem recompensados financeiramente porque as suas funções envolvem a paixão da torcida.

Esses profissionais reivindicam a possibilidade de poderem avaliar uma transferência de um clube para outro do mesmo modo que um publicitário, por exemplo, avalia a sua transferência de uma agência para a outra, por conta de um melhor salário. Ora, a contradição está no fato de essa reivindicação não considerar que se as relações do futebol fossem frias e burocráticas, seria por não estar mais mexendo com a paixão da torcida; e se isso fosse verdade, o futebol deixaria de render tanto em termos financeiros. Por consequência, técnicos e jogadores deixariam de ser tão bem remunerados.

É evidente que técnicos e jogadores são bem valorizados financeiramente porque as suas atividades acabam por gerar lucros. Entretanto, isso somente acontece por conta do futebol envolver a paixão do torcedor, o que implica, necessariamente, em comprometimentos afetivos.