Prefácio

A criação deste blog deve-se, primeiro, ao Dictionnaire des idées reçues, de Gustave Flaubert, escrito como parte do incompleto Bouvard et Pécuchet, e, segundo, ao Dicionário das ideias feitas em educação, organizado por Sandra Mara Corazza (professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Julio Groppa Aquino (professor da Universidade de São Paulo), a partir da ideia lançada por Flaubert. Diferentemente dessas duas inspirações, este blog não tem a estrutura alfabética de um dicionário, e nem de perto a mesma sutileza; mas é guiado pela atualidade mundana do futebol. Ainda que as duas inspirações também partam da mundanidade, atingem verdades superiores. Já este blog busca, tão somente, apropriar-se das ideias já prontas para dar-lhes um novo sentido ou uma nova explicação.

As ideias feitas do futebol (entendidas como lugares-comuns, clichês e/ou chavões usados, sobretudo, pela crônica esportiva) constituem a matéria deste blog; matéria essa constituída por ideias que, apesar de terem sido inventadas, parece que se esqueceram disso, e, justamente por essa razão, apresentam-se como verdades fáceis, incapazes de provocarem o pensamento.

As ideias feitas não tangem a consistência deste blog; mas a matéria. Isso significa que elas se constituem nos pontos de partidas de cada seção (por isso, cada seção tem como título a própria ideia feita). E isso também significa que não se trata de negar as ideias vindas do senso comum (sobretudo, da crônica esportiva), mas de lidar com elas; fazê-las variar, já que, por hábito, os envolvidos preferem conservá-las.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Times argentinos e uruguaios vencem na raça!

Se se afirma que times argentinos e uruguaios são “times de raça”, é apenas porque esses times são, geralmente, considerados inferiores em termos de qualidade quando comparados aos seus grandes adversários (seleção brasileira e algumas seleções européias; clubes brasileiros). É por isso que clubes como o Barcelona não são ligados à ideia de raça; é por isso que nunca se afirma que as seleções argentinas ou uruguaias venceram “na raça” quando a vitória foi sobre seleções como Venezuela, Peru ou Bolívia; é por isso que nunca se ouve falar em raça quando um time vence por goleada.

Quando um time vence com facilidade, no sentido em que a sua imposição em campo acontece com naturalidade, sua vitória é raramente associada à raça. O assunto da raça aparece apenas quando a vitória ocorre “no detalhe”.

Nesse sentido, pode-se afirmar que: (1) a “vitória na raça” está submetida à “vitória apertada”; (2) que um time que ganha com facilidade nunca é considerado um “time de raça”; (3) que os “times de raça” são aqueles que vencem um adversário que, na opinião pública, é melhor (isso significa que, para um time receber o rótulo de “time de raça”, necessita obedecer ao seguinte pré-requisito: é preciso que seja, de antemão, considerado inferior ao adversário).

Sobre essa última afirmação, precisa-se dizer que há uma única possibilidade de um time que é considerado melhor do que os seus adversários ser, ainda assim, considerado “de raça”: num primeiro momento, colocar-se numa situação desfavorável (do tipo: começar mal a partida ou o campeonato), para vir a receber o título de “time de raça” apenas em função da sua recuperação inusitada. Em outras palavras, o time precisa, antes de vencer, “parecer morto”, para então “ressuscitar” (pois, bem se sabe, não há como ressuscitar sem antes ter morrido!). O problema é que, nesse caso, é melhor fracassar e depois vencer do que ter a capacidade de obter sucesso desde o início.

Poder-se-ia argumentar que os “times de raça” merecem esse rótulo justamente porque, mesmo sem parecerem “os melhores”, ainda assim conseguem, por vezes, vencer. Entretanto, isso está muito mais ligado ao fato de, no futebol, os times superiores tecnicamente terem uma vantagem que não é, “nem de perto”, determinante, o que faz com que, por não raras vezes, times considerados inferiores vençam. Além disso, precisa-se levar em conta que o fato de um time ser inferior ou superior a outro não conta com qualquer cientificidade, mas conta tão somente com um reconhecimento popular (um time não é inferior ou superior, é apenas considerado inferior ou superior).

Isso significa que, para seguirem com o rótulo de “times de raça”, uruguaios e argentinos não podem alcançar o reconhecimento de um Barcelona (no caso dos clubes) ou de uma seleção brasileira (no caso das seleções). O time que “vence na raça” é, quase sempre, o time que vence sem ser considerado o favorito!

(Parte impulsionada por comentários feitos no blog: ainda que se recorra a situações específicas envolvendo este ou aquele clube, esta ou aquela partida, essas situações, somente por elas mesmas, não são suficientes para adquirirem, para o clube envolvido, o título de "time de raça". É por isso que a grande maioria das seleções e dos clubes, apesar de terem experimentado situações ditas "de raça", não possuem esse rótulo impregnado à sua imagem.)

domingo, 28 de agosto de 2011

A prova de que foi pênalti é a de que o jogador (infrator) sequer reclamou!

Ora, é justamente por isso que os suspeitos a infratores, costumeiramente, reclamam; é em função da existência de uma argumentação desse tipo que os jogadores acabam sempre reclamando.

Os gestos, no futebol assistido, estão submetidos à lógica representacional (de modo muito parecido com a descrição barthesiana do catch francês). Não basta sentir dor, é preciso realizar os gestos que, reconhecidamente, expressam a dor; não basta receber uma falta do adversário, é preciso exagerar no movimento de queda para que o público espectador conceba, simbolicamente, o sentido de falta; não basta não cometer uma falta, é preciso, ainda, reagir de maneira reclamatória após o gesto do árbitro.

O curioso é que quando lidamos com poucas pessoas, a nossa tendência, ao sentir dor, é procurar escondê-la, disfarçá-la ou explicá-la; e ao contrário é o que acontece quando lidamos com a multidão: na impossibilidade de explicarmos o sentido da dor (no caso do futebol, a causa da dor é a movimentação faltosa, por parte do adversário), substituímos a explicação pelo exagero representacional. Perante a multidão, não existe a dor sem o grito, sem a “cara feia” e sem o rolar no gramado; não existe a falta sem a queda; não existe a marcação da arbitragem sem a reclamação. Essa é a lógica representacional!

Ocorre que toda essa gestualidade capturada pela representação não é necessária! No futebol, apenas se tornou necessária. Se comentaristas esportivos contribuem para o funcionamento dessa lógica, é simplesmente por uma opção de “estilo comunicacional”.  Eis o paradoxo: logo eles, os comentaristas (e aqui estou, fatalmente, generalizando), que tanto reclamam do “jogador cai-cai”, do “jogador que adora encenar”, do “jogador reclamão”, são os mesmos que, por vezes, proferem esta ideia feita: “a prova de que foi pênalti é a de que o jogador (infrator) sequer reclamou”. Novamente: ora, é por isso que os infratores precisam reclamar, estando, ou não, com a razão. O raciocínio do jogador, diante dessa ideia pronta, é o seguinte: “eu não fiz a falta, mas se eu não reclamar eu estarei dando a entender que a fiz!”.

Nós, espectadores (torcedores, crônica esportiva etc.), incentivamos que os gestos dos jogadores (e técnicos) sejam feitos não de acordo com o acontecido no jogo, mas de acordo com o que eles gostariam que nós entendêssemos. Isto é, os gestos dos jogadores são menos ligados às singularidades das situações e mais dedicados aos códigos da multidão. Diversos rolos corporais pelo gramado = “falta feia”; Reclamação desesperada = “o árbitro está nos prejudicando”; Não reclamação após uma marcação de pênalti = “prova de que não foi pênalti” etc.

domingo, 21 de agosto de 2011

O Flamengo tem a maior torcida do Brasil!

Eis aí uma ideia (feita) que tem a vantagem de contar com um embasamento estatístico. Curiosamente, quando Ronaldo (o “fenômeno”) ousou questioná-la (isso em meados de 2009), a imprensa esportiva, em geral, “deu de ombros”, ao modo de um aristocrata diante de um ato “mal educado” realizado por um convidado “do povo”.

Vejam bem, estou chamando atenção não para o fato de a torcida do Flamengo ser, ou não, a maior do Brasil; mas para o fato, curiosíssimo, de essa ideia não poder ser questionada. O que torna tudo ainda mais estranho é a ideia de que, ordinariamente, “tudo o que um jornalista deseja é, justamente, uma polêmica!”. Então, por que, nesse caso em específico, evitou-se a controvérsia? Ronaldo trouxe algo que teria margem para diversas discussões, pois, apesar de as pesquisas apontarem a torcida do Flamengo como a maior, há a defesa de que os torcedores localizados, em especial, nas regiões nordeste, centro-oeste e norte, têm o Flamengo como "segundo time" (ou "time paralelo"). As ideias feitas são sagradas, e como tais são tratadas.

(Torcer pelo Flamengo consagra a ideia nietzschiana de “rebanho”.)

Por que a maioria torce pelo Flamengo? O que me deixa aborrecido é o fato de alguns pensarem que isso se trata de uma questão de paixão. Há alguns fatos históricos que contribuem para isso, mas nenhum tanto quanto o fato (longíquo) do então presidente da República Getulio Vargas ter decretado que a única emissora de rádio apta a ter alcance superior ao alcance local seria a Rádio Nacional, localizada no Rio de Janeiro (e aí entendemos o surgimento de clubes como o Vasco do Acre, o Botafogo da Paraíba, o Fluminense de Feira de Santana, o Flamengo do Piauí etc.). A curiosidade diz respeito ao fato de que os habitantes, das cidades localizadas em cidades de interior, não podiam ouvir os jogos dos clubes das capitais de seus estados, mas podiam ouvir os jogos dos clubes do Rio de Janeiro. Esse marco histórico é condicional, porém, ainda não é determinante para entendermos o porquê de a torcida do Flamengo, em específico, ser a mais numerosa, mesmo porque as torcidas de Botafogo e Fluminense (também do Rio de Janeiro), apesar de serem tratadas como super populares, são menores do que as de clubes de outras regiões, tais como as de Internacional, Grêmio e Cruzeiro. O determinante passa por um detalhe historicamente mais recente: a grande fase do Flamengo coincidiu com um importante fenômeno social, a popularização da televisão. Se qualquer outro clube, pertencente ao estado do Rio de Janeiro, vivesse a fase vivida pelo Flamengo na década de 80, teria, hoje, grande chance de contar com a maior torcida do Brasil.

Se digo "qualquer outro clube, pertencente ao estado do Rio de Janeiro", é em função, primeiro (e conforme já dito), do alcance exclusivo da Rádio Nacional e, segundo, em função desse estado, por ser paradigmático na história dos meios de comunicação massivos, ter as suas atividades culturais concebidas com o status de "identidade nacional". Isso, sem dúvida, faz com que os clubes representantes dessa cultura (aqui uso o conceito de "cultura" do senso comum) tenham maior penetração e aceitação, sobretudo, naqueles estados que não contam com clubes na elite do futebol brasileiro.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Quanto mais gols melhor o jogo!

Não se trata de dizer que tal ideia feita seja falsa, mas de dizer que o número de gols, por si só, não é capaz de garantir um grande jogo. De quebra, pretendo mostrar que a ideia feita, apesar de assim aparentar, não é óbvia.

O que realmente me incomoda é a mania de se classificar um jogo como “jogaço” a partir apenas de seu placar elevado (3 a 3, 4 a 3, 4 a 4, 5 a 4 etc.). Tal ideia feita se sobrepõe ao fato de um jogo ter sido, realmente, um grande jogo. Assim como um 0 a 0 pode ter sido bom, um 3 a 3 pode ter sido, facilmente, fraco, sobretudo, no aspecto técnico e tático.

Mais uma vez: não quero afirmar que um jogo de placar elevado seja ruim, mas apenas que não é, necessariamente, bom. Se fosse verdade que um jogo de placar elevado é sempre de qualidade, estaríamos pressupondo que o sistema defensivo de um time não tem a mínima importância; que somente o que ele pode fazer é atrapalhar o grande jogo. Estaríamos pensando assim: “se o jogo não foi bom, foi porque a defesa soube atrapalhá-lo”. Seguindo ainda o mesmo raciocínio, poderíamos dizer que a falha de um goleiro é altamente positiva para uma partida de futebol, visto que tal falha contribui diretamente para o aumento do placar.

Do mesmo modo que a seguinte afirmação é problemática: “quanto mais gols melhor o jogo”, esta outra também o é: “ambos os times foram incompetentes e permaneceram no 0 a 0”. Até pode ser que este ou aquele 0 a 0 se deva à incompetência dos times, porém, isso não pode ser concluído apenas a partir da observação do placar final. A ideia feita é problemática justamente por isto: ela substitui a análise dos casos. O placar surge como um motivador imediato de um axioma reativo:
O jogo terminou 5 a 4! [Ação]
Mesmo? Que “jogão”! [Reação (submetida à ação)]

Há quem diga que tal ideia feita se justifica pelo fato de que o futebol não teria a menor graça e o menor sentido se não houvesse o gol. Concordo! Mas em relativização a isso, afirmo que um dos grandes “segredos” do futebol tange o fato de o gol ser um acontecimento raro. Ou seja, é verdade que o sentido do futebol passa pelo gol, porém, não é verdade que o sucesso desse esporte passa pela quantidade de gols. Aqueles que frequentam estádios de futebol, e experimentam a emoção de uma goleada, sabem que, na medida em que acontece mais um gol, a euforia da torcida diminui; e, no íntimo, sabem que a cada falha do adversário a valorização da vitória é, igualmente, cada vez menor. Entretanto, ainda assim é possível argumentar que isso não acontece nos casos em que o placar, apesar de alto, segue equilibrado (numa situação de 4 a 3, por exemplo). Em matéria de euforia da torcida, isso é inquestionável; mas não em matéria de avaliação do jogo, mesmo porque a euforia diz respeito apenas a uma torcida em específico, justamente aquela que a sua preocupação não é avaliativa e apreciativa, mas exclusivamente comemorativa. A avaliação do jogo, enfim, precisa ser imanente, o que quer dizer que é a própria experiência de vivenciar o jogo que deveria fundamentar o grau de qualidade deste.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Já não fazem jogadores como antigamente!

Se, num caso imaginado, pudéssemos acompanhar um jogo entre jogadores de níveis superiores aos dos jogadores profissionais de hoje, mas que esse aumento de nível ocorresse de maneira homogênea, nós, espectadores, não perceberíamos diferenças consideráveis entre o jogo “real” e o jogo hipotético. Por outro lado, perceberíamos diferenças se apenas alguns jogadores subissem de nível, enquanto os outros permanecessem no nível que já conhecemos.

Nessa perspectiva, não tínhamos, na era romântica do futebol, jogadores de níveis superiores aos de hoje, mas jogadores de níveis desequilibrados. Pelé seria tão bom hoje quanto foi naquela era (talvez até melhor, devido aos progressos da preparação física); porém, muito provavelmente, não seria percebido como tão absurdamente diferenciado, visto que os seus adversários estariam mais próximos do seu nível.

Isso significa que o futebol praticado atualmente não é superior e nem inferior ao já praticado na era romântica, mas é especialmente equilibrado. Em outras palavras, o que caracteriza a época atual não é o fato de contar com jogadores menos talentosos, mas é o fato de implicar um equilíbrio não visto anteriormente, de modo que o jogador diferenciado de hoje é apenas um pouco diferenciado quando em comparação com os seus companheiros e adversários.

Se escalarmos aquele jogador (aquele que chamamos de “perna de pau”, que “não acerta um só cruzamento”) num time de futebol amador ou mesmo na nossa “pelada de final de semana”, não há a menor chance de ele repetir os seus costumeiros erros. Mesmo aquele jogador que, aparentemente, não tem o menor jeito de saber driblar, driblaria. Isso porque o “lance pessoal” aparece menos quanto mais equilíbrio houver e, logicamente, mais quanto menos equilíbrio houver.

O seguinte raciocínio não funciona: “jogadores melhores, logo, jogo melhor de ser apreciado”. Esse deve ser substituído por este: “jogadores superiores em meio a jogadores inferiores, logo, jogo repleto de lances ditos talentosos”. Em outras palavras, para que tenhamos o “jogo bom de assistir” (que é, sem dúvida, outra ideia feita), apenas alguns deveriam melhorar, enquanto todos os demais teriam que permanecer estagnados. Portanto, se no futebol atual vemos menos “espetáculo”, é por um motivo, tecnicamente, positivo: todos os jogadores do futebol profissional estão bem preparados.

(Se no circo há espetáculo, é porque a apresentação, por exemplo, de um malabarista, expressa uma habilidade diferenciada. Se todas as pessoas tivessem o hábito de treinar o malabarismo, essa atração não proporcionaria o efeito de espetacular, pois haveria um equilíbrio maior entre a habilidade do artista e a habilidade das demais pessoas. O efeito não aumenta em proporção ao aumento de qualidade do artista, mas aumenta em proporção ao grau de desequilíbrio entre aquilo que ele faz e aquilo que as pessoas fazem.) (A analogia desse exemplo não é perfeita com relação ao caso do futebol. Aqui a comparação se faz entre malabarista e pessoas normais; no caso do futebol se faz entre os melhores jogadores e os jogadores medianos.)

Outra possibilidade de entender o motivo da consolidação da ideia feita desta seção, diz respeito ao efeito saudosista: em tudo, e não apenas no futebol, há uma era romântica. A era romântica das coisas é aquela que acontece sem que nós possamos percebê-la. Ninguém planejou que o futebol se transformaria no que acabou se transformando; quando as pessoas perceberam, já estavam vivendo-o intensamente. Num segundo momento (que é o fim da era romântica – e toda era romântica termina), as pessoas começaram a perceber tudo o que o futebol significava e envolvia (“por que ficarei sofrendo em função de uns caras que recebem 200 mil por mês só para jogar bola?”), o que fez com que a relação pessoas-futebol fosse modificada (não no sentido daquelas terem se desinteressado por este, mas no sentido de aquelas terem se afastado de seu objeto ao modo de um cientista que se afasta do seu para melhor refletir acerca dele). “Quando moleque eu ia ao estádio e tudo era diferente; mais emocionante!”; ora, é evidente, pois a coisa não era planejada, pelo contrário, estava, propriamente, acontecendo.

É como ir a um bar, pedir uma cerveja, algumas azeitonas, ter uma noite inesperadamente boa e achar que basta voltar, no outro dia, ao mesmo bar, pedir a mesma cerveja, as mesmas azeitonas, para experimentar, novamente e eternamente, a mesma sensação romântica da noite anterior.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Pelé é o melhor jogador da história do futebol mundial!

Não tenho a menor intenção de dizer que Pelé não é o maior jogador da história do futebol; em verdade, sequer entro na questão "quem foi o melhor!". Quero apenas dizer que tal ideia se torna problemática na medida em que, uma vez expressada, não exige que seja defendida, argumentada; pelo contrário, acaba se impondo como verdade fácil, livre de qualquer questionamento e isenta de um empreendimento criativo. Trata-se, precisamente, do efeito de uma ideia pronta! O enunciado substitui o desafio que implica a observação individual de cada desempenho e de cada contexto histórico; impõe-se independentemente das experiências; dispensa a experiência.

Nada impede que alguém afirme que o melhor jogador da história do futebol mundial seja Rivaldo (ou Ronaldo, Romário, Zidane etc.); entretanto, o autor dessa afirmação é colocado, de imediato, diante do desafio de trazer, colado à sua afirmação, uma argumentação, uma defesa, a qual, justamente por ainda não estar pronta, exige que aquele lance mão de inventividade e de um empreendimento de dissimulação da ideia pronta. E esta, aliás, é a graça: nenhuma ideia pronta resiste ao poder de um efeito dissimulador.

Nesse caso, além de inventividade, o autor também não pode deixar de lançar mão do inevitável risco do seu esforço não funcionar. Eis a segunda graça: não é qualquer “oba-oba” que pode vir a convencer!

domingo, 14 de agosto de 2011

Os títulos dos campeonatos Paulista e Carioca devem, obviamente, valer mais!

A seguinte afirmação é absurda: “há uma clara injustiça no fato de os clubes paulistas e cariocas terem vantagens por pertencerem a regiões que contam não apenas com populações maiores como também com patrocinadores maiores”. Digo que tal afirmação é absurda em função de esses clubes não terem a opção de se desfazerem de seus contextos econômicos.

A seguinte afirmação, pelo mesmo motivo, também deveria ser concebida como absurda; entretanto, não é isso que acontece: “ao se elaborar um ranking que possa receber o status de geral para o contexto envolvendo os clubes brasileiros, deve-se delegar pesos diferentes para cada campeonato estadual; com uma preocupação especial em se delegar pesos maiores para os campeonatos paulistas e cariocas, em função de esses campeonatos reunirem, em geral, um número maior de clubes disputando a Série A do Campeonato Brasileiro”.

"Não há bônus sem ônus!" (peço desculpas pelo clichê). Se se trata de uma vantagem dos clubes desses dois estados receberem mais de patrocinadores (e ninguém poder fazer nada quanto a isso), também é uma vantagem dos clubes, que recebem investimentos irrisórios, disputarem um campeonato estadual que envolva menos clubes disputando a Série A do Campeonato Brasileiro. Ora, assim como não podemos fazer nada com o fato de as maiores empresas instaladas no país se situarem no eixo envolvendo os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, também não podemos fazer nada com o fato de esses dois estados terem, em geral, mais clubes disputando a série A do Campeonato Brasileiro. Bônus e ônus! Mesmo porque (e aqui está a grande questão) se a há um número maior de clubes desses dois estados participando da elite do futebol brasileiro, é justamente porque ali há um maior investimento.

Isso tudo apenas é válido se, de fato, houver a preferência por se fazer um Ranking Geral. Pois, em verdade, penso que cada competição deveria ter o seu próprio ranking e nada mais. Qualquer tentativa de distribuir pesos entre as diferentes competições se torna problemática na medida em que não há como fazer isso sem lançar mão de um “formulismo” abstrato e minimante ideológico.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A seleção brasileira precisa "dar show" e jogar sempre no ataque! Ou: Merecíamos a vitória porque, depois de sofrermos o gol, pressionamos o adversário até o final!

Parte 01: em primeiro lugar, não resta dúvida de que os técnicos de futebol são superestimados. Certo dia (13 de maio de 2011), Joel Santana  afirmou para o site do Globo Esporte: “quer ver uma coisa que machuca? Dizer assim: 'Mexeu e não deu certo'. Não deu certo porque o cara não jogou bem, pô. Foi ele que jogou mal. Quando ele jogar bem vai dar certo”. Devo dizer que concordo plenamente com ele; porém, de imediato, um questionamento impõe-se: ora, então por que o técnico, no circo do futebol, é tão valorizado? Tanto no sentido moral quanto no sentido econômico!

Parte 02: se o fator técnico não é determinante para uma vitória, o que é então? "Situações de acaso condicionado": um jogador (pertencente ao time que vem dominando a partida e que é, reconhecidamente, melhor) perde um gol "na cara do goleiro". Do mesmo modo em que errou, poderia também, por pressuposto, não ter errado (quem joga futebol sabe que, no instante do chute, não se mira (como faz um arqueiro), mas apenas se faz o possível para "pegar bem na bola"). Após o gol perdido, o adversário acaba fazendo um gol num lance qualquer. E, após esse evento, conserva-se postado na defesa até o final da partida, com o único intuito de não permitir o empate. Uma vez o jogo terminado, os comentaristas esportivos fazem inúmeros elogios ao técnico do time vencedor ("deu um nó tático" no técnico adversário), devido, segundo eles, "ao seu esquema de jogo".

É nessa circunstância que surge a velha pergunta (vinda dos torcedores do clube derrotado): "e se aquele jogador não tivesse perdido aquela chance de gol?". Acontece que essa pergunta, apesar de velha, não recebe a devida importância. É preciso entender que, de fato, se aquele jogador não tivesse perdido aquela chance, não apenas o seu time não estaria desperdiçando um gol como também o restante da partida teria sido completamente diferente. É por isso que o seguinte raciocínio não tem o menor sentido: "vencemos por 1 a 0, mas poderíamos ter vencido por 2 a 0, pois, antes de fazermos o gol, erramos um pênalti!". Ou: "merecíamos a vitória porque, depois de sofrermos o gol, pressionamos o adversário até o final!". Ora, se pressionaram o adversário até o final foi, justamente, porque sofreram o gol.

O determinante é a situação de acaso (temos a dificuldade de suportar a ideia de que o determinante está no inalcançável, no incontrolável). Porém, o acaso não deve ser confundido com a sorte; e nem o futebol com um jogo de par ou impar ou com os chamados jogos de azar. Eis aí a importância do terceiro termo da expressão: “condicionado”. Isso significa, simplesmente, que o time mais qualificado cria mais condições para que as situações aconteçam, e como elas acontecem mais vezes há, logicamente, mais chances do acaso ser positivo. Do mesmo modo, o jogador, envolvido no lance, tem mais condições de fazer com que o acaso seja positivo caso ele tenha mais qualidades.

Parte 03: o técnico de futebol, sem dúvida, é importante; sobretudo, na indicação de uma contratação, no incentivo ao atleta e até na insistência com um esquema de jogo. Entretanto, apesar de importante, não é determinante, visto que a força proporcionada por uma situação de acaso se sobrepõe a qualquer aspecto planejado e/ou condicionado. Cabe ao técnico, isso sim, buscar criar condições para que as situações de acaso sejam por mais vezes positivas do que negativas.

Parte 04: o que precisa ficar expresso é que a prática do chamado "futebol arte", "futebol espetáculo", "futebol show", não depende da orientação de um técnico, nem mesmo da boa vontade dos jogadores. Portanto, cobrar um time (tal como o da seleção brasileira) para que esse "dê show" não pode passar de um absurdo no sentido mais denotativo possível. As situações de acaso condicionado transformam a atmosfera da partida, fazendo com que um dos times se sinta mais à vontade e sintonizado com o movimento atual. (Talvez isso fique mais claro em esportes como o surf: de nada adianta o aspecto técnico, se o surfista não for capaz de interagir com o movimento das ondas deste dia e desta praia.)

Parte 05: nada atrapalha mais a seleção brasileira do que o discurso do “futebol arte”. Isso porque (conforme dito na "Parte 04") cobra-se por algo que não é da ordem do voluntário; cobra-se por algo que não depende de uma boa vontade. Atrapalha porque jogadores e técnicos ficam, diante dessa cobrança, como pecadores de antemão. (Não posso deixar de lembrar que, durante a Copa do Mundo de 2010, a crônica esportiva fez duras críticas ao, então técnico, Dunga, tendo como uma das estratégias o elogio demasiado à seleção espanhola, a qual representaria o "futebol alegre, ofensivo"; porém, pouco se disse que essa seleção foi a campeã com menos gols na história das Copas.)

Parte 06: ultimamente, essa cobrança vem sendo expressa a partir de uma nova ideia feita: "a seleção brasileira precisa recuperar o protagonismo".

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Kaká é craque! Ou: O que diferencia a seleção brasileira é o talento!

Prólogo: o que diferencia um time de outro é menos o talento e mais o estilo de jogo. Desde que esse "estilo de jogo" não seja confundido com o fato de um esquema de jogo valorizar mais o sistema ofensivo do que o defensivo. Até porque (considerando que estamos a tratar de futebol profissional, dotado de compromissos com os resultados) um time se torna ofensivo a partir de uma série de fatores, dentre os quais os principais pertencem à ordem do inusitado, de modo que nenhum time pode garantir, de antemão, a prática de um futebol ofensivo, mesmo que isso tenha sido planejado. Nesse sentido, o esquema de jogo não pode ser concebido como uma característica intrínseca; sobretudo, porque pertence mais à ordem da racionalidade e da consciência voluntária. Já o estilo de jogo, apesar de também não poder ser dado como certo e invariável, pertence mais à ordem da espontaneidade do corpo e da linguagem gestual e, por isso, pode ser concebido como uma característica ligada a uma determinada "escola de futebol". Para melhor diferenciar as duas noções: o esquema vem sempre depois (depois da confiança, do treino, da dedicação etc.); o estilo vem sempre antes (antes do planejamento tático, da boa ou da má vontade etc.).

A principal característica que sempre contribuiu para que o estilo de jogo da seleção brasileira se diferenciasse do estilo de jogo europeu (entende-se: europeu ocidental), tange a cadência. Tal característica se expressa, sobretudo, nos jogadores de meio de campo. Os ditos craques brasileiros tendem a fazer a bola circular; em detrimento à preferência pelo passe em profundidade e em detrimento ao carregar a bola igualmente em profundidade. Isso não significa que esses jogadores não executam passes e não carregam bolas em direção à linha de fundo, mas significa que esses tipos de lances não são os preferenciais, no sentido de que eles somente acontecem nos interstícios do jogo, nas brechas das jogadas. É, justamente, o caráter inusitado da ação dessa característica que consagra o estilo de jogo brasileiro.

Entretanto, esse paradigma começou a mudar a partir da figura de um jogador chamado Kaká. Esse jogador (e isso aconteceu sem surpresas) rendeu muito mais na Europa do que no próprio Brasil (não devemos esquecer que a torcida do São Paulo, seu time de origem, não simpatizava com esse jogador; sobretudo, no final de sua trajetória). Se isso aconteceu sem surpresas, foi justamente porque o estilo de jogo desse jogador, dito craque, é europeu e não brasileiro (aqui, sem dúvida, corro o risco da generalização). Não foi à toa que obteve sucesso imediato no referido continente. Diante disso, e das promissoras atuações com a camisa da seleção brasileira, a crônica esportiva começou a admirar (freneticamente) o estilo desse jogador, o qual, segundo diziam, era "objetivo".

(É preciso notar que o oposto foi o que aconteceu com jogadores como Ricardinho (Corinthians, Santos, São Paulo, Atlético-MG) e Alex (Coritiba, Palmeiras, Cruzeiro), os quais obtiveram grande sucesso em clubes brasileiros e não convenceram na Europa Ocidental. Ora, é precisamente porque os seus estilos são tipicamente brasileiros, caracterizados pela cadência e não pela velocidade das ações.)

A grande questão é que, ao mesmo tempo em que a figura Kaká seduzia as opiniões brasileiras, o futebol europeu, sobretudo através do time do Barcelona e das seleções espanhola e alemã, começava a percorrer o caminho inverso: o meio de campo menos como lugar de passagem da bola e mais como lugar de manutenção dela.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Se não vale vaga, não vale nada!

Nada mais bizarro, no futebol, do que reduzir a importância de uma competição regular ao fato de ela disponibilizar, ou não, vagas para a Copa Libertadores da América. Essa questão das vagas é importante no caso do Campeonato Brasileiro, o qual, por envolver 20 clubes no sistema de pontos corridos, necessita de uma estratégia para manter esses clubes interessados na competição até o final. Porém, essa questão não pode reduzir competições, no sentido de essas somente terem sentido em função disso. Trata-se de algo perigoso: sobrepor vagas à própria vitória. Vagas não podem ser mais importantes do que títulos, sob o risco de se fazer instalar uma síndrome da insatisfação. Ou seja, quando alguém pensava vencer, estava, "em verdade", conquistando apenas uma vaga.

Na crônica esportiva brasileira, há uma dificuldade em valorizar duas competições ao mesmo tempo. Sem dúvida, essa dificuldade acompanha o cacoete dos clubes brasileiros, os quais, da mesma maneira, têm dificuldades psicológicas e incapacidades intelectuais para entender a dinâmica implicada nessa situação. A confusão é explícita: sim, todos sabem que a Copa Sul-Americana é menos importante do que a Copa Libertadores da América; porém, isso não pode ser confundido com o fato daquela, ainda assim, ter importância. Ou seja, o fato de uma competição não ser a mais importante dentre todas, não pode impedir que ela, ainda assim, seja importante. Ora, qual é o problema da Copa Sul-Americana ser concebida como a competição continental que reúne não os times de melhor retrospecto do ano anterior, mas os de retrospecto intermediário? Sobretudo no caso do Brasil, o qual conta com um número de clubes grandes superior ao número de vagas destinadas às melhores campanhas!

Nesse sentido, o fato de a Copa Sul-Americana ter admitido, desde o ano de 2010, o oferecimento, ao clube campeão, de uma vaga na Copa Libertadores da América, ao contrário de valorizar a competição, atrapalha a possibilidade daquela competição receber o devido reconhecimento. Pois, em vez de procurar impor o seu título como importante (que de fato é), acaba por rebaixá-lo ao fato de, tão somente, oferecer uma vaga a outra competição.

A exemplo do que acontece com outras competições, a Copa Sul-Americana é valorizada por quem nela está nas fases avançadas; e, inversamente, desvalorizada por quem nela não está ou por quem dela foi desclassificado. Desgraçadamente, o brasileiro curte apenas aquilo que é curtido massivamente. Devo lembrar que, por muito tempo, a própria Copa Libertadores da América foi desvalorizada pelos clubes brasileiros; e que quando esses clubes passaram a valorizá-la, clubes argentinos, uruguaios e paraguaios já somavam inúmeros títulos (inalcançáveis, aos clubes brasileiros, em curto e médio prazos).

A Recopa tem, ou não tem, importância?

A ideia feita dessa questão diz respeito ao fato de que toda vez em que o tema da Recopa se torna atual, vem acompanhado da discussão de sua importância. Ou seja, não há a opção de se referir a esse tema, em momentos em que é tomado como sendo atual, sem entrar nesse questionamento, justamente porque esse aparece de modo inerente ao tema que o instiga; ao mesmo tempo em que este permanece necessariamente submisso àquele.

Argumento 01: os clubes brasileiros têm, hoje, a possibilidade de disputarem oito competições: Campeonato Estadual, Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro, Copa Sul-Americana, Copa Suruga, Copa Libertadores da América, Recopa Sul-Americana e Mundial Interclubes. Apesar de nenhum clube poder participar, num mesmo ano, de todas essas competições, ainda assim todos são participantes em potenciais, ao menos no aspecto legal. Ora, se é verdade que o objetivo do futebol profissional é a vitória, é contraditório considerar a hipótese de que vencer uma dessas competições não seja importante. São competições que constituem os calendários das entidades que organizam o futebol (as mesmas que garantem o caráter profissional dos clubes e que legitimam os seus grandes objetivos: as vitórias!). Considerando que os clubes não têm a opção de não participar dessas competições, a discussão envolvendo as suas importâncias não tem qualquer sentido. Tal discussão somente faz sentido quando o que está em questão é a participação numa competição que ocorre eventualmente, e que depende do fato de os clubes aceitarem os seus convites. Nesse caso, o questionamento da importância faz sentido porque cada caso envolve um novo conteúdo e uma nova situação, instigando um debate que envolve a escolha (afinal, o clube tem a opção de não aceitar o convite) e que, sobretudo, desprende-se do tema instigador (a simples existência da competição).

Argumento 02: no dia de hoje, 10 de agosto de 2011, há 2600 colorados em Buenos Aires (Avellaneda), apenas para assistir ao primeiro jogo da Recopa, envolvendo Internacional e Independiente. A imprensa esportiva da Argentina prevê 35 mil pessoas no estádio.

O ato de suprimir importância de uma competição não passa de uma estratégia, a qual pode ser expressa no seguinte raciocínio: "já que não estou participando dessa competição, convém-me elaborar enunciados pejorativos acerca dela". Isso não significa, entretanto, que tal enunciado não possa ser elaborado por alguém que não faça parte de uma torcida adversária, pois, apesar do dono desse enunciado poder ser simpatizante do clube envolvido, ainda assim pode não simpatizar com as pessoas ocupantes dos cargos provisórios (jogadores, comissão técnica, direção etc.). As informações, disponibilizadas no início deste argumento, apenas expressam que a importância de uma competição depende muito mais da reação singular dos torcedores do que das tentativas de hierarquizar as competições a partir de argumentos que, por se pretenderem universais, não podem abrir mão do raciocínio generalizado (como se a reação da torcida (que é múltipla) pudesse ser antecipada do mesmo modo em que se antecipa a reação de uma pessoa conhecida).