Prefácio

A criação deste blog deve-se, primeiro, ao Dictionnaire des idées reçues, de Gustave Flaubert, escrito como parte do incompleto Bouvard et Pécuchet, e, segundo, ao Dicionário das ideias feitas em educação, organizado por Sandra Mara Corazza (professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Julio Groppa Aquino (professor da Universidade de São Paulo), a partir da ideia lançada por Flaubert. Diferentemente dessas duas inspirações, este blog não tem a estrutura alfabética de um dicionário, e nem de perto a mesma sutileza; mas é guiado pela atualidade mundana do futebol. Ainda que as duas inspirações também partam da mundanidade, atingem verdades superiores. Já este blog busca, tão somente, apropriar-se das ideias já prontas para dar-lhes um novo sentido ou uma nova explicação.

As ideias feitas do futebol (entendidas como lugares-comuns, clichês e/ou chavões usados, sobretudo, pela crônica esportiva) constituem a matéria deste blog; matéria essa constituída por ideias que, apesar de terem sido inventadas, parece que se esqueceram disso, e, justamente por essa razão, apresentam-se como verdades fáceis, incapazes de provocarem o pensamento.

As ideias feitas não tangem a consistência deste blog; mas a matéria. Isso significa que elas se constituem nos pontos de partidas de cada seção (por isso, cada seção tem como título a própria ideia feita). E isso também significa que não se trata de negar as ideias vindas do senso comum (sobretudo, da crônica esportiva), mas de lidar com elas; fazê-las variar, já que, por hábito, os envolvidos preferem conservá-las.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Fulano usou a sua experiência!

Talvez eu esteja dizendo isso apenas porque o meu time não está como eu gostaria que estivesse neste Campeonato Brasileiro, mas o fato é que os jogos do Nacional (independentemente de envolverem, ou não, o meu time) têm se tornados irritantes. Ainda que isso, nem de perto, seja, por ora, suficiente para enfraquecer o meu interesse pelo futebol, já começa a causar certo desgaste. A causa disso é localizável, chama-se “cera”.

A cera é ainda pior do que a encenação visando a obtenção de uma falta, visto que enquanto naquela o árbitro tende a não fazer nada, nesta ele tem a possibilidade de não marcá-la ou de constrangê-la.

Considerando que os dois problemas existem e se aprofundam por culpa dos cinco personagens envolvidos no futebol (torcedor, patrocinador, mídia, jogador/técnico e árbitro), vejo apenas uma alternativa para cada problema:

- Em relação à cera, a única alternativa é fazer com que o tempo do jogo paralise toda a vez que o jogo pare (é o que ocorre no basquete, no handebol e no futsal).

Trata-se de “única alternativa” porque é a única que não depende do árbitro, o qual é um dos principais interessados em fazer com que o jogo fique parado; afinal, o árbitro mais elogiado acaba sendo sempre aquele que permanece discreto durante o jogo (jogo parado = menos chances de acontecer lances polêmicos).

Para que tal solução fosse efetivada, bastaria contar com o acordo do patrocinador e da mídia, os quais precisariam admitir a variação no tempo de duração do evento. Fora isso, funcionaria porque o jogador/técnico não fingiria situações para que o tempo passasse; e porque o árbitro deixaria de ser um complacente da cera.

O jogo poderia passar a se constituir de dois tempos de trinta minutos (sendo que após o tempo complementar, o jogo terminaria apenas após a primeira bola sair de campo – assim, não haveria a polêmica envolvendo o fato de uma bola ter entrado no gol antes, ou depois, do tempo regulamentar).

- Em relação à encenação visando a obtenção de uma falta, a única alternativa é o “universo do futebol” passar a ser contagiado pelo conceito de “jogo limpo” (de modo muito mais amplo do que aquele propagado pela FIFA).

Tal solução funcionaria se o torcedor passasse a vaiar as encenações (o torcedor que joga em casa quer sempre sair com a vantagem em relação à arbitragem, mas não se dá por conta de que o mesmo acontece, inversamente, quando o seu time joga fora de casa, fazendo que tudo fique na equivalência); e a mídia esportiva a não mais dizer que “o fulano usou a sua experiência” quando fingisse receber uma falta: teria que criticar, severamente, o autor da encenação (não apenas aquelas que acontecem dentro da área, mas toda e qualquer encenação).

O jogador/técnico e o árbitro são os menos influentes nesta alternativa; eles entrariam no embalo do torcedor e da mídia.

O que é inadmissível é ficar, enquanto torcedor, diante de lances que o árbitro tanto pode quanto pode não marcar, dependendo quase que exclusivamente do seu humor (muito mais do que da técnica, por exemplo). O resultado é que todos ficam com a impressão de que o seu time é sempre o maior prejudicado.

A FIFA, certamente, não buscará soluções para esses problemas. Como qualquer corporação, a FIFA também quer aumentar o seu público; e se o futebol tem o público que tem é, dentre outros motivos, pelo fato de o time pior ter sempre chances de vencer o melhor. E tais chances se devem, muito, à possibilidade de se fazer cera e encenação. Então, a efetivação das alternativas aqui apresentadas, é viável somente através de campanha popular.

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