Prefácio

A criação deste blog deve-se, primeiro, ao Dictionnaire des idées reçues, de Gustave Flaubert, escrito como parte do incompleto Bouvard et Pécuchet, e, segundo, ao Dicionário das ideias feitas em educação, organizado por Sandra Mara Corazza (professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Julio Groppa Aquino (professor da Universidade de São Paulo), a partir da ideia lançada por Flaubert. Diferentemente dessas duas inspirações, este blog não tem a estrutura alfabética de um dicionário, e nem de perto a mesma sutileza; mas é guiado pela atualidade mundana do futebol. Ainda que as duas inspirações também partam da mundanidade, atingem verdades superiores. Já este blog busca, tão somente, apropriar-se das ideias já prontas para dar-lhes um novo sentido ou uma nova explicação.

As ideias feitas do futebol (entendidas como lugares-comuns, clichês e/ou chavões usados, sobretudo, pela crônica esportiva) constituem a matéria deste blog; matéria essa constituída por ideias que, apesar de terem sido inventadas, parece que se esqueceram disso, e, justamente por essa razão, apresentam-se como verdades fáceis, incapazes de provocarem o pensamento.

As ideias feitas não tangem a consistência deste blog; mas a matéria. Isso significa que elas se constituem nos pontos de partidas de cada seção (por isso, cada seção tem como título a própria ideia feita). E isso também significa que não se trata de negar as ideias vindas do senso comum (sobretudo, da crônica esportiva), mas de lidar com elas; fazê-las variar, já que, por hábito, os envolvidos preferem conservá-las.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A seleção brasileira precisa "dar show" e jogar sempre no ataque! Ou: Merecíamos a vitória porque, depois de sofrermos o gol, pressionamos o adversário até o final!

Parte 01: em primeiro lugar, não resta dúvida de que os técnicos de futebol são superestimados. Certo dia (13 de maio de 2011), Joel Santana  afirmou para o site do Globo Esporte: “quer ver uma coisa que machuca? Dizer assim: 'Mexeu e não deu certo'. Não deu certo porque o cara não jogou bem, pô. Foi ele que jogou mal. Quando ele jogar bem vai dar certo”. Devo dizer que concordo plenamente com ele; porém, de imediato, um questionamento impõe-se: ora, então por que o técnico, no circo do futebol, é tão valorizado? Tanto no sentido moral quanto no sentido econômico!

Parte 02: se o fator técnico não é determinante para uma vitória, o que é então? "Situações de acaso condicionado": um jogador (pertencente ao time que vem dominando a partida e que é, reconhecidamente, melhor) perde um gol "na cara do goleiro". Do mesmo modo em que errou, poderia também, por pressuposto, não ter errado (quem joga futebol sabe que, no instante do chute, não se mira (como faz um arqueiro), mas apenas se faz o possível para "pegar bem na bola"). Após o gol perdido, o adversário acaba fazendo um gol num lance qualquer. E, após esse evento, conserva-se postado na defesa até o final da partida, com o único intuito de não permitir o empate. Uma vez o jogo terminado, os comentaristas esportivos fazem inúmeros elogios ao técnico do time vencedor ("deu um nó tático" no técnico adversário), devido, segundo eles, "ao seu esquema de jogo".

É nessa circunstância que surge a velha pergunta (vinda dos torcedores do clube derrotado): "e se aquele jogador não tivesse perdido aquela chance de gol?". Acontece que essa pergunta, apesar de velha, não recebe a devida importância. É preciso entender que, de fato, se aquele jogador não tivesse perdido aquela chance, não apenas o seu time não estaria desperdiçando um gol como também o restante da partida teria sido completamente diferente. É por isso que o seguinte raciocínio não tem o menor sentido: "vencemos por 1 a 0, mas poderíamos ter vencido por 2 a 0, pois, antes de fazermos o gol, erramos um pênalti!". Ou: "merecíamos a vitória porque, depois de sofrermos o gol, pressionamos o adversário até o final!". Ora, se pressionaram o adversário até o final foi, justamente, porque sofreram o gol.

O determinante é a situação de acaso (temos a dificuldade de suportar a ideia de que o determinante está no inalcançável, no incontrolável). Porém, o acaso não deve ser confundido com a sorte; e nem o futebol com um jogo de par ou impar ou com os chamados jogos de azar. Eis aí a importância do terceiro termo da expressão: “condicionado”. Isso significa, simplesmente, que o time mais qualificado cria mais condições para que as situações aconteçam, e como elas acontecem mais vezes há, logicamente, mais chances do acaso ser positivo. Do mesmo modo, o jogador, envolvido no lance, tem mais condições de fazer com que o acaso seja positivo caso ele tenha mais qualidades.

Parte 03: o técnico de futebol, sem dúvida, é importante; sobretudo, na indicação de uma contratação, no incentivo ao atleta e até na insistência com um esquema de jogo. Entretanto, apesar de importante, não é determinante, visto que a força proporcionada por uma situação de acaso se sobrepõe a qualquer aspecto planejado e/ou condicionado. Cabe ao técnico, isso sim, buscar criar condições para que as situações de acaso sejam por mais vezes positivas do que negativas.

Parte 04: o que precisa ficar expresso é que a prática do chamado "futebol arte", "futebol espetáculo", "futebol show", não depende da orientação de um técnico, nem mesmo da boa vontade dos jogadores. Portanto, cobrar um time (tal como o da seleção brasileira) para que esse "dê show" não pode passar de um absurdo no sentido mais denotativo possível. As situações de acaso condicionado transformam a atmosfera da partida, fazendo com que um dos times se sinta mais à vontade e sintonizado com o movimento atual. (Talvez isso fique mais claro em esportes como o surf: de nada adianta o aspecto técnico, se o surfista não for capaz de interagir com o movimento das ondas deste dia e desta praia.)

Parte 05: nada atrapalha mais a seleção brasileira do que o discurso do “futebol arte”. Isso porque (conforme dito na "Parte 04") cobra-se por algo que não é da ordem do voluntário; cobra-se por algo que não depende de uma boa vontade. Atrapalha porque jogadores e técnicos ficam, diante dessa cobrança, como pecadores de antemão. (Não posso deixar de lembrar que, durante a Copa do Mundo de 2010, a crônica esportiva fez duras críticas ao, então técnico, Dunga, tendo como uma das estratégias o elogio demasiado à seleção espanhola, a qual representaria o "futebol alegre, ofensivo"; porém, pouco se disse que essa seleção foi a campeã com menos gols na história das Copas.)

Parte 06: ultimamente, essa cobrança vem sendo expressa a partir de uma nova ideia feita: "a seleção brasileira precisa recuperar o protagonismo".

Nenhum comentário:

Postar um comentário