Se, num caso imaginado, pudéssemos acompanhar um jogo entre jogadores de níveis superiores aos dos jogadores profissionais de hoje, mas que esse aumento de nível ocorresse de maneira homogênea, nós, espectadores, não perceberíamos diferenças consideráveis entre o jogo “real” e o jogo hipotético. Por outro lado, perceberíamos diferenças se apenas alguns jogadores subissem de nível, enquanto os outros permanecessem no nível que já conhecemos.
Nessa perspectiva, não tínhamos, na era romântica do futebol, jogadores de níveis superiores aos de hoje, mas jogadores de níveis desequilibrados. Pelé seria tão bom hoje quanto foi naquela era (talvez até melhor, devido aos progressos da preparação física); porém, muito provavelmente, não seria percebido como tão absurdamente diferenciado, visto que os seus adversários estariam mais próximos do seu nível.
Isso significa que o futebol praticado atualmente não é superior e nem inferior ao já praticado na era romântica, mas é especialmente equilibrado. Em outras palavras, o que caracteriza a época atual não é o fato de contar com jogadores menos talentosos, mas é o fato de implicar um equilíbrio não visto anteriormente, de modo que o jogador diferenciado de hoje é apenas um pouco diferenciado quando em comparação com os seus companheiros e adversários.
Se escalarmos aquele jogador (aquele que chamamos de “perna de pau”, que “não acerta um só cruzamento”) num time de futebol amador ou mesmo na nossa “pelada de final de semana”, não há a menor chance de ele repetir os seus costumeiros erros. Mesmo aquele jogador que, aparentemente, não tem o menor jeito de saber driblar, driblaria. Isso porque o “lance pessoal” aparece menos quanto mais equilíbrio houver e, logicamente, mais quanto menos equilíbrio houver.
O seguinte raciocínio não funciona: “jogadores melhores, logo, jogo melhor de ser apreciado”. Esse deve ser substituído por este: “jogadores superiores em meio a jogadores inferiores, logo, jogo repleto de lances ditos talentosos”. Em outras palavras, para que tenhamos o “jogo bom de assistir” (que é, sem dúvida, outra ideia feita), apenas alguns deveriam melhorar, enquanto todos os demais teriam que permanecer estagnados. Portanto, se no futebol atual vemos menos “espetáculo”, é por um motivo, tecnicamente, positivo: todos os jogadores do futebol profissional estão bem preparados.
(Se no circo há espetáculo, é porque a apresentação, por exemplo, de um malabarista, expressa uma habilidade diferenciada. Se todas as pessoas tivessem o hábito de treinar o malabarismo, essa atração não proporcionaria o efeito de espetacular, pois haveria um equilíbrio maior entre a habilidade do artista e a habilidade das demais pessoas. O efeito não aumenta em proporção ao aumento de qualidade do artista, mas aumenta em proporção ao grau de desequilíbrio entre aquilo que ele faz e aquilo que as pessoas fazem.) (A analogia desse exemplo não é perfeita com relação ao caso do futebol. Aqui a comparação se faz entre malabarista e pessoas normais; no caso do futebol se faz entre os melhores jogadores e os jogadores medianos.)
Outra possibilidade de entender o motivo da consolidação da ideia feita desta seção, diz respeito ao efeito saudosista: em tudo, e não apenas no futebol, há uma era romântica. A era romântica das coisas é aquela que acontece sem que nós possamos percebê-la. Ninguém planejou que o futebol se transformaria no que acabou se transformando; quando as pessoas perceberam, já estavam vivendo-o intensamente. Num segundo momento (que é o fim da era romântica – e toda era romântica termina), as pessoas começaram a perceber tudo o que o futebol significava e envolvia (“por que ficarei sofrendo em função de uns caras que recebem 200 mil por mês só para jogar bola?”), o que fez com que a relação pessoas-futebol fosse modificada (não no sentido daquelas terem se desinteressado por este, mas no sentido de aquelas terem se afastado de seu objeto ao modo de um cientista que se afasta do seu para melhor refletir acerca dele). “Quando moleque eu ia ao estádio e tudo era diferente; mais emocionante!”; ora, é evidente, pois a coisa não era planejada, pelo contrário, estava, propriamente, acontecendo.
É como ir a um bar, pedir uma cerveja, algumas azeitonas, ter uma noite inesperadamente boa e achar que basta voltar, no outro dia, ao mesmo bar, pedir a mesma cerveja, as mesmas azeitonas, para experimentar, novamente e eternamente, a mesma sensação romântica da noite anterior.
Nessa perspectiva, não tínhamos, na era romântica do futebol, jogadores de níveis superiores aos de hoje, mas jogadores de níveis desequilibrados. Pelé seria tão bom hoje quanto foi naquela era (talvez até melhor, devido aos progressos da preparação física); porém, muito provavelmente, não seria percebido como tão absurdamente diferenciado, visto que os seus adversários estariam mais próximos do seu nível.
Isso significa que o futebol praticado atualmente não é superior e nem inferior ao já praticado na era romântica, mas é especialmente equilibrado. Em outras palavras, o que caracteriza a época atual não é o fato de contar com jogadores menos talentosos, mas é o fato de implicar um equilíbrio não visto anteriormente, de modo que o jogador diferenciado de hoje é apenas um pouco diferenciado quando em comparação com os seus companheiros e adversários.
Se escalarmos aquele jogador (aquele que chamamos de “perna de pau”, que “não acerta um só cruzamento”) num time de futebol amador ou mesmo na nossa “pelada de final de semana”, não há a menor chance de ele repetir os seus costumeiros erros. Mesmo aquele jogador que, aparentemente, não tem o menor jeito de saber driblar, driblaria. Isso porque o “lance pessoal” aparece menos quanto mais equilíbrio houver e, logicamente, mais quanto menos equilíbrio houver.
O seguinte raciocínio não funciona: “jogadores melhores, logo, jogo melhor de ser apreciado”. Esse deve ser substituído por este: “jogadores superiores em meio a jogadores inferiores, logo, jogo repleto de lances ditos talentosos”. Em outras palavras, para que tenhamos o “jogo bom de assistir” (que é, sem dúvida, outra ideia feita), apenas alguns deveriam melhorar, enquanto todos os demais teriam que permanecer estagnados. Portanto, se no futebol atual vemos menos “espetáculo”, é por um motivo, tecnicamente, positivo: todos os jogadores do futebol profissional estão bem preparados.
(Se no circo há espetáculo, é porque a apresentação, por exemplo, de um malabarista, expressa uma habilidade diferenciada. Se todas as pessoas tivessem o hábito de treinar o malabarismo, essa atração não proporcionaria o efeito de espetacular, pois haveria um equilíbrio maior entre a habilidade do artista e a habilidade das demais pessoas. O efeito não aumenta em proporção ao aumento de qualidade do artista, mas aumenta em proporção ao grau de desequilíbrio entre aquilo que ele faz e aquilo que as pessoas fazem.) (A analogia desse exemplo não é perfeita com relação ao caso do futebol. Aqui a comparação se faz entre malabarista e pessoas normais; no caso do futebol se faz entre os melhores jogadores e os jogadores medianos.)
Outra possibilidade de entender o motivo da consolidação da ideia feita desta seção, diz respeito ao efeito saudosista: em tudo, e não apenas no futebol, há uma era romântica. A era romântica das coisas é aquela que acontece sem que nós possamos percebê-la. Ninguém planejou que o futebol se transformaria no que acabou se transformando; quando as pessoas perceberam, já estavam vivendo-o intensamente. Num segundo momento (que é o fim da era romântica – e toda era romântica termina), as pessoas começaram a perceber tudo o que o futebol significava e envolvia (“por que ficarei sofrendo em função de uns caras que recebem 200 mil por mês só para jogar bola?”), o que fez com que a relação pessoas-futebol fosse modificada (não no sentido daquelas terem se desinteressado por este, mas no sentido de aquelas terem se afastado de seu objeto ao modo de um cientista que se afasta do seu para melhor refletir acerca dele). “Quando moleque eu ia ao estádio e tudo era diferente; mais emocionante!”; ora, é evidente, pois a coisa não era planejada, pelo contrário, estava, propriamente, acontecendo.
É como ir a um bar, pedir uma cerveja, algumas azeitonas, ter uma noite inesperadamente boa e achar que basta voltar, no outro dia, ao mesmo bar, pedir a mesma cerveja, as mesmas azeitonas, para experimentar, novamente e eternamente, a mesma sensação romântica da noite anterior.
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