Prefácio

A criação deste blog deve-se, primeiro, ao Dictionnaire des idées reçues, de Gustave Flaubert, escrito como parte do incompleto Bouvard et Pécuchet, e, segundo, ao Dicionário das ideias feitas em educação, organizado por Sandra Mara Corazza (professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Julio Groppa Aquino (professor da Universidade de São Paulo), a partir da ideia lançada por Flaubert. Diferentemente dessas duas inspirações, este blog não tem a estrutura alfabética de um dicionário, e nem de perto a mesma sutileza; mas é guiado pela atualidade mundana do futebol. Ainda que as duas inspirações também partam da mundanidade, atingem verdades superiores. Já este blog busca, tão somente, apropriar-se das ideias já prontas para dar-lhes um novo sentido ou uma nova explicação.

As ideias feitas do futebol (entendidas como lugares-comuns, clichês e/ou chavões usados, sobretudo, pela crônica esportiva) constituem a matéria deste blog; matéria essa constituída por ideias que, apesar de terem sido inventadas, parece que se esqueceram disso, e, justamente por essa razão, apresentam-se como verdades fáceis, incapazes de provocarem o pensamento.

As ideias feitas não tangem a consistência deste blog; mas a matéria. Isso significa que elas se constituem nos pontos de partidas de cada seção (por isso, cada seção tem como título a própria ideia feita). E isso também significa que não se trata de negar as ideias vindas do senso comum (sobretudo, da crônica esportiva), mas de lidar com elas; fazê-las variar, já que, por hábito, os envolvidos preferem conservá-las.

domingo, 21 de agosto de 2011

O Flamengo tem a maior torcida do Brasil!

Eis aí uma ideia (feita) que tem a vantagem de contar com um embasamento estatístico. Curiosamente, quando Ronaldo (o “fenômeno”) ousou questioná-la (isso em meados de 2009), a imprensa esportiva, em geral, “deu de ombros”, ao modo de um aristocrata diante de um ato “mal educado” realizado por um convidado “do povo”.

Vejam bem, estou chamando atenção não para o fato de a torcida do Flamengo ser, ou não, a maior do Brasil; mas para o fato, curiosíssimo, de essa ideia não poder ser questionada. O que torna tudo ainda mais estranho é a ideia de que, ordinariamente, “tudo o que um jornalista deseja é, justamente, uma polêmica!”. Então, por que, nesse caso em específico, evitou-se a controvérsia? Ronaldo trouxe algo que teria margem para diversas discussões, pois, apesar de as pesquisas apontarem a torcida do Flamengo como a maior, há a defesa de que os torcedores localizados, em especial, nas regiões nordeste, centro-oeste e norte, têm o Flamengo como "segundo time" (ou "time paralelo"). As ideias feitas são sagradas, e como tais são tratadas.

(Torcer pelo Flamengo consagra a ideia nietzschiana de “rebanho”.)

Por que a maioria torce pelo Flamengo? O que me deixa aborrecido é o fato de alguns pensarem que isso se trata de uma questão de paixão. Há alguns fatos históricos que contribuem para isso, mas nenhum tanto quanto o fato (longíquo) do então presidente da República Getulio Vargas ter decretado que a única emissora de rádio apta a ter alcance superior ao alcance local seria a Rádio Nacional, localizada no Rio de Janeiro (e aí entendemos o surgimento de clubes como o Vasco do Acre, o Botafogo da Paraíba, o Fluminense de Feira de Santana, o Flamengo do Piauí etc.). A curiosidade diz respeito ao fato de que os habitantes, das cidades localizadas em cidades de interior, não podiam ouvir os jogos dos clubes das capitais de seus estados, mas podiam ouvir os jogos dos clubes do Rio de Janeiro. Esse marco histórico é condicional, porém, ainda não é determinante para entendermos o porquê de a torcida do Flamengo, em específico, ser a mais numerosa, mesmo porque as torcidas de Botafogo e Fluminense (também do Rio de Janeiro), apesar de serem tratadas como super populares, são menores do que as de clubes de outras regiões, tais como as de Internacional, Grêmio e Cruzeiro. O determinante passa por um detalhe historicamente mais recente: a grande fase do Flamengo coincidiu com um importante fenômeno social, a popularização da televisão. Se qualquer outro clube, pertencente ao estado do Rio de Janeiro, vivesse a fase vivida pelo Flamengo na década de 80, teria, hoje, grande chance de contar com a maior torcida do Brasil.

Se digo "qualquer outro clube, pertencente ao estado do Rio de Janeiro", é em função, primeiro (e conforme já dito), do alcance exclusivo da Rádio Nacional e, segundo, em função desse estado, por ser paradigmático na história dos meios de comunicação massivos, ter as suas atividades culturais concebidas com o status de "identidade nacional". Isso, sem dúvida, faz com que os clubes representantes dessa cultura (aqui uso o conceito de "cultura" do senso comum) tenham maior penetração e aceitação, sobretudo, naqueles estados que não contam com clubes na elite do futebol brasileiro.

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