Prefácio

A criação deste blog deve-se, primeiro, ao Dictionnaire des idées reçues, de Gustave Flaubert, escrito como parte do incompleto Bouvard et Pécuchet, e, segundo, ao Dicionário das ideias feitas em educação, organizado por Sandra Mara Corazza (professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Julio Groppa Aquino (professor da Universidade de São Paulo), a partir da ideia lançada por Flaubert. Diferentemente dessas duas inspirações, este blog não tem a estrutura alfabética de um dicionário, e nem de perto a mesma sutileza; mas é guiado pela atualidade mundana do futebol. Ainda que as duas inspirações também partam da mundanidade, atingem verdades superiores. Já este blog busca, tão somente, apropriar-se das ideias já prontas para dar-lhes um novo sentido ou uma nova explicação.

As ideias feitas do futebol (entendidas como lugares-comuns, clichês e/ou chavões usados, sobretudo, pela crônica esportiva) constituem a matéria deste blog; matéria essa constituída por ideias que, apesar de terem sido inventadas, parece que se esqueceram disso, e, justamente por essa razão, apresentam-se como verdades fáceis, incapazes de provocarem o pensamento.

As ideias feitas não tangem a consistência deste blog; mas a matéria. Isso significa que elas se constituem nos pontos de partidas de cada seção (por isso, cada seção tem como título a própria ideia feita). E isso também significa que não se trata de negar as ideias vindas do senso comum (sobretudo, da crônica esportiva), mas de lidar com elas; fazê-las variar, já que, por hábito, os envolvidos preferem conservá-las.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A Recopa tem, ou não tem, importância?

A ideia feita dessa questão diz respeito ao fato de que toda vez em que o tema da Recopa se torna atual, vem acompanhado da discussão de sua importância. Ou seja, não há a opção de se referir a esse tema, em momentos em que é tomado como sendo atual, sem entrar nesse questionamento, justamente porque esse aparece de modo inerente ao tema que o instiga; ao mesmo tempo em que este permanece necessariamente submisso àquele.

Argumento 01: os clubes brasileiros têm, hoje, a possibilidade de disputarem oito competições: Campeonato Estadual, Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro, Copa Sul-Americana, Copa Suruga, Copa Libertadores da América, Recopa Sul-Americana e Mundial Interclubes. Apesar de nenhum clube poder participar, num mesmo ano, de todas essas competições, ainda assim todos são participantes em potenciais, ao menos no aspecto legal. Ora, se é verdade que o objetivo do futebol profissional é a vitória, é contraditório considerar a hipótese de que vencer uma dessas competições não seja importante. São competições que constituem os calendários das entidades que organizam o futebol (as mesmas que garantem o caráter profissional dos clubes e que legitimam os seus grandes objetivos: as vitórias!). Considerando que os clubes não têm a opção de não participar dessas competições, a discussão envolvendo as suas importâncias não tem qualquer sentido. Tal discussão somente faz sentido quando o que está em questão é a participação numa competição que ocorre eventualmente, e que depende do fato de os clubes aceitarem os seus convites. Nesse caso, o questionamento da importância faz sentido porque cada caso envolve um novo conteúdo e uma nova situação, instigando um debate que envolve a escolha (afinal, o clube tem a opção de não aceitar o convite) e que, sobretudo, desprende-se do tema instigador (a simples existência da competição).

Argumento 02: no dia de hoje, 10 de agosto de 2011, há 2600 colorados em Buenos Aires (Avellaneda), apenas para assistir ao primeiro jogo da Recopa, envolvendo Internacional e Independiente. A imprensa esportiva da Argentina prevê 35 mil pessoas no estádio.

O ato de suprimir importância de uma competição não passa de uma estratégia, a qual pode ser expressa no seguinte raciocínio: "já que não estou participando dessa competição, convém-me elaborar enunciados pejorativos acerca dela". Isso não significa, entretanto, que tal enunciado não possa ser elaborado por alguém que não faça parte de uma torcida adversária, pois, apesar do dono desse enunciado poder ser simpatizante do clube envolvido, ainda assim pode não simpatizar com as pessoas ocupantes dos cargos provisórios (jogadores, comissão técnica, direção etc.). As informações, disponibilizadas no início deste argumento, apenas expressam que a importância de uma competição depende muito mais da reação singular dos torcedores do que das tentativas de hierarquizar as competições a partir de argumentos que, por se pretenderem universais, não podem abrir mão do raciocínio generalizado (como se a reação da torcida (que é múltipla) pudesse ser antecipada do mesmo modo em que se antecipa a reação de uma pessoa conhecida).

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