Prefácio

A criação deste blog deve-se, primeiro, ao Dictionnaire des idées reçues, de Gustave Flaubert, escrito como parte do incompleto Bouvard et Pécuchet, e, segundo, ao Dicionário das ideias feitas em educação, organizado por Sandra Mara Corazza (professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Julio Groppa Aquino (professor da Universidade de São Paulo), a partir da ideia lançada por Flaubert. Diferentemente dessas duas inspirações, este blog não tem a estrutura alfabética de um dicionário, e nem de perto a mesma sutileza; mas é guiado pela atualidade mundana do futebol. Ainda que as duas inspirações também partam da mundanidade, atingem verdades superiores. Já este blog busca, tão somente, apropriar-se das ideias já prontas para dar-lhes um novo sentido ou uma nova explicação.

As ideias feitas do futebol (entendidas como lugares-comuns, clichês e/ou chavões usados, sobretudo, pela crônica esportiva) constituem a matéria deste blog; matéria essa constituída por ideias que, apesar de terem sido inventadas, parece que se esqueceram disso, e, justamente por essa razão, apresentam-se como verdades fáceis, incapazes de provocarem o pensamento.

As ideias feitas não tangem a consistência deste blog; mas a matéria. Isso significa que elas se constituem nos pontos de partidas de cada seção (por isso, cada seção tem como título a própria ideia feita). E isso também significa que não se trata de negar as ideias vindas do senso comum (sobretudo, da crônica esportiva), mas de lidar com elas; fazê-las variar, já que, por hábito, os envolvidos preferem conservá-las.

domingo, 28 de agosto de 2011

A prova de que foi pênalti é a de que o jogador (infrator) sequer reclamou!

Ora, é justamente por isso que os suspeitos a infratores, costumeiramente, reclamam; é em função da existência de uma argumentação desse tipo que os jogadores acabam sempre reclamando.

Os gestos, no futebol assistido, estão submetidos à lógica representacional (de modo muito parecido com a descrição barthesiana do catch francês). Não basta sentir dor, é preciso realizar os gestos que, reconhecidamente, expressam a dor; não basta receber uma falta do adversário, é preciso exagerar no movimento de queda para que o público espectador conceba, simbolicamente, o sentido de falta; não basta não cometer uma falta, é preciso, ainda, reagir de maneira reclamatória após o gesto do árbitro.

O curioso é que quando lidamos com poucas pessoas, a nossa tendência, ao sentir dor, é procurar escondê-la, disfarçá-la ou explicá-la; e ao contrário é o que acontece quando lidamos com a multidão: na impossibilidade de explicarmos o sentido da dor (no caso do futebol, a causa da dor é a movimentação faltosa, por parte do adversário), substituímos a explicação pelo exagero representacional. Perante a multidão, não existe a dor sem o grito, sem a “cara feia” e sem o rolar no gramado; não existe a falta sem a queda; não existe a marcação da arbitragem sem a reclamação. Essa é a lógica representacional!

Ocorre que toda essa gestualidade capturada pela representação não é necessária! No futebol, apenas se tornou necessária. Se comentaristas esportivos contribuem para o funcionamento dessa lógica, é simplesmente por uma opção de “estilo comunicacional”.  Eis o paradoxo: logo eles, os comentaristas (e aqui estou, fatalmente, generalizando), que tanto reclamam do “jogador cai-cai”, do “jogador que adora encenar”, do “jogador reclamão”, são os mesmos que, por vezes, proferem esta ideia feita: “a prova de que foi pênalti é a de que o jogador (infrator) sequer reclamou”. Novamente: ora, é por isso que os infratores precisam reclamar, estando, ou não, com a razão. O raciocínio do jogador, diante dessa ideia pronta, é o seguinte: “eu não fiz a falta, mas se eu não reclamar eu estarei dando a entender que a fiz!”.

Nós, espectadores (torcedores, crônica esportiva etc.), incentivamos que os gestos dos jogadores (e técnicos) sejam feitos não de acordo com o acontecido no jogo, mas de acordo com o que eles gostariam que nós entendêssemos. Isto é, os gestos dos jogadores são menos ligados às singularidades das situações e mais dedicados aos códigos da multidão. Diversos rolos corporais pelo gramado = “falta feia”; Reclamação desesperada = “o árbitro está nos prejudicando”; Não reclamação após uma marcação de pênalti = “prova de que não foi pênalti” etc.

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